Olá, leitoras. Como vocês estão?
Estou pensando aqui em como fazer esse texto? Eu não quero chamar de resenha. Vou opinar, claro, mas acho que resenha é uma palavra muito forte para o que eu vou falar desse livro... Como se eu não tivesse esse direito, sabe? Acho que quem leu deve saber como eu me sinto ou se leu não sabe eu nem consigo pensar que tipo de pessoa é você kkkkk (brincadeira).
O plot inicial da obra é sobre uma cegueira branca que vai tomando proporções enormes ao longo do livro. Começa com um único homem e vai passando de pessoa para pessoa, como se fosse uma doença mesmo. E nessa loucura toda uma única mulher continua vendo (e ela é descrita como a mulher do médico, já que no livro os personagens não têm nome). Existem muitas interpretações que podem ser feitas desse livro e eu falo isso pois acabei vendo umas resenhas e vídeos sobre ele e também sobre o filme de 2008 dirigido por Fernando Meirelles. Mas vou me reservar a minha percepção, que pode ou não fazer tanto sentido. Então eu não vou ficar falando sobre a história em si por aqui e sim sobre isso mesmo: interpretações.
A cegueira branca é uma metáfora, isso é bem obvio até mesmo pela forma que o narrador nos conta a história. Ele usa de frases, ditos populares e opiniões sobre aqueles personagens que deixam evidente. O livro foi escrito no início nos anos 90 e nessa época estávamos seguindo para um novo século em que a tecnologia como conhecemos hoje estava começando a predominar e as pessoas estavam começando a ficar dependentes disso. Talvez para nós, que moramos no Brasil, essa ideia veio um pouco mais tarde, mas na realidade europeia as coisas já eram bem avançadas mesmo no século passado e se Saramago viu isso no início dos anos 90 imagina o que ele não veria hoje em dia?
A cegueira é praticamente tudo o que temos ao nosso redor nos dias atuais, esse monte de informação sendo jogadas na nossa cara e que nunca conseguimos extrair nada realmente bom disso, entende? No livro a cegueira é descrita como um mar de leite por todos, mas existem alguns momentos em que dá a impressão de que eles falam que é como se fosse uma luz muito forte, ao contrário da cegueira como imaginamos, onde é tudo preto. Enfim, essa luz a meu ver pode-se referir as luzes de telas, como televisão, computadores, e etc.
Já que os personagens não possuem nomes todos são descritos por características da sua primeira apresentação. Então temos o primeiro cego, a rapariga dos óculos escuros, o médico, a mulher do médico e assim por diante. Nem se quer o cachorro que aparece lá pro final ganha um nome. Eles não precisam de nomes pois nenhum seria capaz de reconhecer o outro por motivos óbvios, porém o narrador precisa descrevê-los de alguma forma a nós e por isso usa adjetivos.
Gosto dessa forma pois a impressão que dá é que cada personagem tem um pouco de cada em de nós em suas características. Por exemplo o jovem estrábico é como se representasse a parte de nós que é inocente, que ainda não tem aquela maldade do mundo ou que não quer ver as coisas ruins do mundo. Ele é uma criança ainda e de início chama muito pela mãe e ao longo do livro vai se esquecendo dela como no nosso processo de crescimento. Já o velho da venda preta é a parte de nós que tem maturidade e conhece a maldade de mundo. O médico pode ser a parte mais filosófica, mas não sei exatamente explicar como. Ele sempre é muito centrado, é um homem inteligente e por vezes acaba tendo algo a dizer sobre a situação em que eles estão vivendo, mas a procura de algum sentido naquilo tudo. Ele é o que tenta acalmar os nervos de todos e ser o mais sensato. A mulher do médico é a única que consegue ver e pode ser a representação da razão, aquela parte de nós que não se deixa levar pelas coisas que vemos por aí, a parte pensante. E sim, existem outros personagens que tem suas representações, mas eu ainda não consegui relacionar muito bem com características de personalidades do ser humano (ou pelo menos não de uma forma que faça sentido).
Diante dessa análise de personagens x personalidades eu acabei percebendo que o livro mostra muito sobre nós e a forma como lidamos com o mundo e com as situações ao nosso redor. Após a primeira leva de cegos, que são jogados em um manicômio abandonado, situações extremas são vividas ali. Fome, falta de higiene, não há notícias do mundo exterior e a única segurança é contra os próprios cegos. Tem situações em que as pessoas são obrigadas a fazer coisas que não gostariam somente para se alimentarem e gera conflitos e debates entre os personagens que claramente nos fazem pensar (principalmente nessa questão de ser obrigada a fazer algo ou fazer por desejar fazer). É angustiante vê-los ali naquela situação e angustiante e pensar que se algo do tipo acontecesse realmente seria daquela forma ou ainda pior que os seres humanos agiriam.
Não é um livro fácil de ler, mas apesar da forma como Saramago escreve é impossível largá-lo. Já vi algumas pessoas comentado que nunca mais quer ler nada dele ou que ele escreve mal por não usar pontos e virgulas, mas isso é uma característica única do homem e por mais que deixe a leitura um pouco cansativa a história te prende. É praticamente impossível ler esse livro sem querer saber o que vai acontecer em seguida ou com os personagens. Então por mais que seja chato para se acostumar insista pois ao final da leitura você vai se sentir como se essa tivesse sido a melhor coisa da sua vida (e também a mais louca).
Essa edição nova da Companhia das Letras conta com alguns extras, como páginas de um diário de Saramago narrando mais ou menos como foi o seu processo de escrita desta obra. Ele demorou muito tempo para concluí-la e percebe-se pelos pequenos relatos que é um livro que mexeu com ele durante todo o processo. Outro bônus são 3 críticas diferentes do livro que foram lançadas na época em que ele foi lançada e é muito interessante ver as opiniões dos profissionais naquela época.
Título: Ensaio sobre a cegueira
Autor: José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 432
Ano: 2022
Compre aqui: AmazonSinopse: Publicado pela primeira vez em 1995, Ensaio sobre a cegueira é uma verdadeira viagem às trevas da humanidade. Neste clássico moderno da literatura em língua portuguesa, o leitor é dragado para um cenário devastador, onde uma “treva branca” passa a assolar a sociedade, espalhando-se incontrolavelmente. Toda a população deixa de enxergar, exceto por uma mulher, que se passa por cega para acompanhar o marido na quarentena compulsória a que todos foram submetidos. Presos à nova realidade, os cegos se descobrem reduzidos à essência humana.
No ano em que se celebra o centenário de nascimento do autor, vencedor do prêmio Nobel de literatura em 1998, a Companhia das Letras lança uma edição especial, em capa dura, com projeto gráfico de Raul Loureiro e obra de William Kentridge na capa, além de prefácio inédito de Julián Fuks e fortuna crítica com textos de Leyla Perrone-Moisés, Marco Lucchesi e Maria Alzira Seixo. Os leitores também terão acesso aos trechos de Cadernos de Lanzarote em que Saramago trata do processo de escrita da obra, selecionados e organizados por Graciela Margarita Castañeda e Pedro Fernandes de Oliveira Neto.