Resenha: A Casa dos Espíritos

10/03/2021

 

Iniciei a leitura de A Casa dos Espíritos da autora peruana Isabel Allende acreditando que iria ler um romance mais poético, entretanto ao iniciar logo nas primeiras páginas entendi que esse livro está muito longe de ser isso, até pelo contrário. Nesta obra, quaaase biográfica a autora conta a história de uma família durante um período aproximado de 70 anos e ao conhecer todos os pensamentos, desejos, temores dessas pessoas a leitura se torna incomoda, pois mostra ao leitor que o ser humano nunca é cem por cento bom ou cem por cento ruim e para mim é isso que me pegou na história.

Estebán Trueba é um carrascão, um homem com modos comuns do século XX e extremamente meritocrata. Ressalto isso, pois essa característica do personagem é importante para vários debates que ocorrem no livro. Sua família não era tão rica, mas seus pais acabaram perdendo quase tudo o que tinha por má administração e ele começou a trabalhar muito jovem para tenta ascender na vida. Ao conhecer a jovem Rosa, por quem se apaixonou imediatamente, precisou trabalhar nas minas para enriquecer o mais rápido possível e assim casar com essa jovem; Logo que ele finalmente consegue sua riqueza suficiente recebe a noticia de que Rosa está morta e isso acaba com Estebán de todas as formas.

Naquela noite pensei que perdera para sempre a capacidade de me apaixonar e que nunca mais poderia rir ou perseguir uma ilusão. Nunca mais, porém, é muito tempo, como pude comprovar nesta minha longa vida.

Neste momento eu até sentia simpatia por ele, afinal era um jovem apaixonado e que precisava dar uma boa vida a sua futura família, entretanto ele é um personagem odiável em todos os sentidos. Após a morte de Rosa ele vai embora para um fazenda de sua família que estava abandonada desde a morte do pai e ali constrói seu legado, com respeito de seus funcionários e muitos bastardos de jovens empregadas. Quando eu falo jovens são jovens mesmo, Estebán é um pedófilo estuprador nojento que me dava nojo sempre que a autora, por algum motivo, fazia questão de narrar essas coisas para os leitores. Não era uma forma romantizada, mas ainda assim é horrível fazer essa leitura principalmente porque isso realmente acontecia muito no inicio do século passado (e bem antes disso). Ele enchia a boca para falar que é um homem de família e que nunca havia cometido crimes, mas sua hipocrisia é enorme. Após alguns anos cuidando da fazenda Estebán se torna senador pelo Partido Conservador, então é até fácil entender de onde ver certos pensamentos e atitudes, em um ponto da história o objetivo do personagem é acabar com a "ditadura comunista" que estava se instalando no Chile e para isso ele foi um dos grandes apoiadores do golpe militar, mas vou falar sobre isso um pouco depois.

Alguns anos depois que estava cuidando da fazenda Estebán precisa voltar a capital para rever sua mãe que estava falecendo e acaba reencontrando a família de Rosa, os del Valle, e nesse reencontro revê a irmã mais nova dela, Clara que tem 19 anos e é clarividente. Após a morte de Rosa a jovem Clara fica 9 anos sem falar, contra todas as tentativas de sua família para que ela voltasse ao normal, e quando volta a falar é para anunciar que irá se casar com Estebán, mesmo ele tendo sumido da cidade há muitos anos. Clara aceitou muito fácil seu destino de se casar com um homem 16 anos mais velho que ela e até parecia feliz por isso. Para mim a clarividência de Clara não ficou muito bem explicada, pois parece que tudo o que ela vê obrigatoriamente precisa acontecer sem ela nem ao menos contestar ou tentar mudar, mas tudo bem... Melhor ignorar isso e aceitar a história como ela é.

Clara, clarividente, conhecia o significado dos sonhos. Essa habilidade era natural nela e não requeria os intrincados estudos cabalísticos que o tio Marcos utilizava com mais esforço e menos acerto.

Pode-se dizer que o casamento de Clara e Estebán foi feliz, ele se dedicou a esposa da melhor forma que pode e nunca foi violento com ela ou lhe fez algum mal. De alguma forma Estebán, com toda a sua carranca, sabia que se fosse qualquer coisa menos que respeitoso e amoroso com ela a perderia e utilizada de métodos falhos para fazer Clara amar-lhe. Clara, com certeza, é uma das melhores personagens do livro. Ela é engraçada com a sua peculiaridade e é uma boa mãe e amiga, mesmo que sinta certo distanciamento de seus filhos homens por eles terem crescido em um internato ainda assim ela é um ponto seguro naquela casa, e sua filha Blanca tem uma conexão maravilhosa com ela. O contraste de sua personalidade com a de Estebán da uma nova perspectiva em relação a história, já que enquanto ele é meritocrata ela gosta de ajudar e dar oportunidade a todos e em certo ponto da história a casa vive cheia de pessoas desconhecidas que Clara está disposta a ajudar. Para mim, com certeza, ela é a protagonista dessa história pelo seu jeito e elo com todos os acontecimentos que acontecem.

Não vou me estender para falar de todos os personagens dessa família, afinal são cerca de 70 anos de história e muitas coisas que acontecem com os filhos são pontos cruciais na trama. Para pincelar vou falar que Blanca é uma jovem que vai contra tudo que seu pai acredita, mas da aquilo que para ele é o bem mais precioso acima até de Clara. Os gêmeos Jaime e Nicolás são um caso a parte, dois jovens excêntricos e que vivem uma vida completamente diferente daquela que o pai quis para aqueles que vão levar seu nome adiante. Nicolás só lhe causou vergonhas e Jaime nunca fez questão de dinheiro e poder, procurando ajudar os necessitados através da profissão de médico.

A ditadura comunista

O fantasma do comunismo ronda o livro desde o inicio, mas é somente nas últimas 150 páginas que ele, de fato, aparece. Nesse ponto do livro a história deixar de ser uma ficção sobre a história de uma família e passa a ser um romance histórico, já que Allende nos conta aqui o que aconteceu com Chile após seu primo distante, do Partido Socialista, vencer as eleições e a direita conservadora planejar o golpe militar de 1973. Na história o senador Trueba ajuda a planejar o golpe comprando armas para poder dar aos militares, enquanto sua neta apaixonada por um socialista luta por tudo aquilo que seu avô odeia. Eu gosto como ela criou essa balança na história e os acontecimentos que sucederam à partir dai foram o que definiu eu dar cinco estrelas para o livro no Skoob, já que esse aspecto histórico foi importante também para compreender melhor essa familia e o relacionamento entre eles que durante anos e anos foram conturbados, mas em um momento de desespero acabaram se unindo. Inclusive Trueba, que ao perceber que os militares nunca entregaria o poder novamente ao Partido Conservador se arrependeu de tudo o que fez, já que apesar de odiar os comunistas ainda assim era um grande defensor da democracia. De todo o mais não gostei de ver que, de certa forma, a autora tentou dar uma redenção a Trueba depois de tudo o que ele fez durante todos os seus anos e principalmente por saber que só tinha relação com a politica e não com todo o resto.

Comecei a pensar que tinha procedido erradamente e que talvez não fosse essa a melhor solução para fazer cair o marxismo. Sentia-me cada vez mais solitário, porque já ninguém necessitava de mim, não tinha os meus filhos nem Clara, com a sua mania da mudez e distração, parecia um fantasma. Até Alba se afastava cada vez mais, dia a dia. Via-a apenas em casa. Passava ao meu lado como uma rajada, com as horrorosas saias compridas de algodão enrugado e o incrível cabelo verde, como o de Rosa, ocupada em tarefas misteriosas que levava a cabo com a cumplicidade da avó. Estou certo que nas minhas costas ambas tramavam coisas secretas.

Esse livro foi muito diferente de tudo o que eu já li, pois romances históricos realmente não fazem parte de um gênero que eu gosto tanto assim, então essa surpresa foi maravilhosa para mim. Conhecer essa autora, considerada uma das mais importantes da literatura latino-americana me fez ficar com mais vontade de conhecer autores de países vizinhos e histórias sobre nosso continente que, muitas vezes, não nos são contadas.

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5 comentários

  1. Olá,
    Sempre tive vontade de conhecer as obras da autora, em especial esta, que sempre leio vários elogios desde sempre.
    Adorei os tópicos abordados, acho que tom o político - nesta questão - só deve acrescentar.

    até mais,
    Canto Cultzíneo

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  2. Assim como você, não leio muito romance histórico. E nunca tinha ouvido falar desse livro. Mas você falou tanta coisa, quanta informação tem em um livro de ficção. A parte histórica na verdade me fascina. Fiquei curiosa para ler.

    www.vivendosentimentos.com.br

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  3. Acredita que ainda não li nada da autora? E olha que todos os seus livros sempre são elogiados demais!
    Adorei poder conhecer a obra acima e eu adoro essa viagem histórica ao passado. Aliás, gosto muito de ver isso nas gerações.
    Com certeza, senti muita vontade ler!!!
    beijo

    Angela Cunha/O Vazio na flor

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  4. Fico feliz que o livro tenha te surpreendido de forma positiva, eu também tinha uma visão totalmente sobre ele. Adorei saber mais detalhes. Ótima resenha!!!

    Beijos
    http://www.leiapop.com/

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  5. Olá, Sil

    Um dia ainda pretendo ler este livro. Assisti a adaptação há muito tempo, mas ainda tinha o adendo do filme não explorar a vertente latino-americana. Como sempre a desculpa para o filme ser em inglês, com atores americanos e etc, é o famigerado alcance do público, mas é uma balela. Por isso gostaria de ler para extrair o que o livro tem de melhor.

    Beijos
    - Tami
    https://www.meuepilogo.com

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